sexta-feira, 3 de abril de 2009

Emoville.



por Andressa Gonçalves

Estudiosos identificam nova cidade com o maior índice de suicídio

Situada na região centro de Emocountry, Emoville foi classificada como a cidade que apresenta o maior número de suicidas. Os cientistas identificam como causa principal deste fenômeno social a rigidez dos costumes da sociedade local.

A franja, o delineador, as roupas “super-super” constituem os principais elementos simbólicos culturais. Não andar com o penteado perfeito ou com os olhos artisticamente pintados, por exemplo, significa romper com costumes tradicionalíssimos da sociedade, o que acarreta conseqüências punitivas para os perversivos. W. C., habitante da cidade, disse que o suicídio já faz parte do contexto social e cultural de Emoville. Seis em cada dez emos tiram suas vidas por ano, isto porque a população apresenta um grande número de adolescentes que não suporta a pressão de terem que decorar o álbum do Simple Plan na íntegra ou de saberem como combinar os tons de cinza, em degradê, com prevalência da cor preta. “É muita pressão, nos deixem em paz! Nós queremos amar, entrar no orkut, usar outros modelos de calça jeans e tênis. Pra mim que não tenho cabelo liso são quatro horas gastas diariamente com escova, chapinha e modelador para cabelos”, complementa.

A grande preocupação do governo local é a permanência de Emoville na humanidade. A maioria de emos que se suicida ainda se encontra na puberdade. Muitas meninas morrem tão cedo que não chegam nem a amadurecer seus ovários, não deixando descendentes, portanto. “A tendência de Emoville é desaparecer do mapa e se isso acontecer, como é que fica o Simple Plan?”, diz o prefeito da cidade.

Os cientistas prevêem que o desaparecimento de Emoville acarretará, também, crise econômica aos shopping centers e aos fast food, o que viria a prejudicar a sociedade global de diversas maneiras. “O mundo precisa dar atenção aos emos”, explicam os cientistas.



arte: autor desconhecido.

Lotação.


por Andressa Gonçalves

Sexta-feira, 18 horas. Um ônibus a cem quilômetros por hora atravessa a Avenida Augusto Monte Negro. No meio de tantas pessoas e do pouquíssimo espaço restante, tenta transitar um vendedor de “chocogel”: “boa noite! Gostaria de apresentar o meu “novo” produto “chocogel”, que é o chocolate gelado, muuuuuito gostoso, com recheio cremoso. Um por quarenta centavos, dois por setenta e três por um real...”. É bem difícil de acreditar que a esta hora, depois de uma semana puxada, trabalho de manhã e aula à noite, em pé há mais de uma hora no “bonde”, um “plus” além do vendedor do “chocogel” aparece pra importunar a nós que estamos na “pindaíba”. Porque diabos foram inventar o “chocogel”?!

Enésima parada do coletivo. Sobe uma bunda. Sim, uma bunda porque aquilo ali era um complexo de ancas e não um ser humano! A mãe da senhorita, quando na maternidade, na ânsia de saber o sexo do bebê perguntou ao obstreta “doutor, e o sexo, doutor? Qual é o sexo?”. “Não sei, minha senhora. Até agora só enxerguei bunda”.

Uma doceira. Tinha que ser uma doceira! E tava com um “cc” que Deus o tenha! Foi só ela entrar no ônibus que o coletivo virou um sovaco com rodas. A gorda subiu e logo o “motora meteu o pé”. Evitando uma queda, a mulher se atracou no ferro metendo a catinga na cara de um velinho que ia sentado no primeiro banco alto, logo depois da porta de entrada.

Foi metendo a bunda, a sacola e a axila fedida por entre os passageiros, amassando gente, desmaiando gente até que, enfim...A catacra. Pra rodar a roleta foi um sacrifício, maior do que já tinha sido pra tirar o trocado do bolso e pagar a passagem. Enquanto isso o motorista só “pisava” e metia o pé no freio sem piedade: “estás dando carona pra tua mãe, filho da puta?”, grita alguém lá de trás, de algum buraco, provavelmente.

O odor da gorda não passou despercebido e logo o cobrador olhou pra ela com o rosto no mais alto nível de contorcimento dos músculos “poxa, minha tia! Mataram uma mucura e esconderam debaixo do seu braço?”. A doceira já se “emputeceu” e girou a catraca com toda força, amassando mais gente, empurrando mais gente, esfregando o sovaco no nariz de mais gente.

Uma moça que ia em pé, ao meu lado, desmaiou. Não sei se por causa do “cheirinho”, ou do aperto, ou dos dois. A menina nem chegou a cair totalmente, pois o aperto era tanto que ela permaneceu quase em pé. Logo as pessoas se manifestaram: “Mas que porra, sua gorda! Tu não ‘pode’ ter mais cuidado ‘pra’ andar nessa merda?”. “Caralho! Tu ‘podia’ ter tomado um banho! Alguém tem um limão galego?”. (A situação a essa hora: sovacão voando na Augusto Montenegro; a Gorda ouvindo aos montes; 91% da tripulação puta da vida ou passando mal - o percentual restante compete a Gorda que valia por vários passageiros.)

Foi então que a Gorda tentou se pronunciar e todos percebemos que a mulher era gaga. A doida ficou tão envocada que saiu distribuindo bofete até que com um empurrão quase que coletivo a bunda pesou pra frente e a mulher caiu com o peito pro chão, construindo a silhueta do Corcovado num espaço que surgiu, de repente, em meio a uma alta concorrência pelo centímetro quadrado.

O cobrador balbuciou algo que eu não compreendi, mas logo entendi que ele me avisava que a “minha” parada se aproximava, pois lhe pedi que me informasse o momento de descer, já que desconhecia a localidade.

Dei sinal ao “gentil” motorista e me equilibrei para atravessar o “Corcovado”. Quanta carne! Desci do ônibus. Segundos depois, um grito de agonia: “Puta que pariu! A gorda peidou!”.

arte: Adalberto Malcher e Andressa Gonçalves.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Edifício Master: o contador de histórias

Por Andressa Gonçalves

“Opium dream, fields so green. Bright mind, bright future. If they ever reach her let her be a sculpture or free her from third-world-culture.” A autora dos versos é Daniela, uma moça que sofre de neurose e sociofobia. Logradouro: Edifício Master, Copacabana, Rio de Janeiro.

Sentada e inquieta, a professora de inglês não encara os olhos da repórter. Um pouco incomodada em entrevistar Daniela, olhando para o seu perfil, pergunto “por que você não me olha nos olhos?”. Em um linguajar que denuncia muitas leituras e uma enorme capacidade de se expressar e olhando para mim esforçadamente, ela responde: “Não porque o que eu esteja dizendo não tenha veracidade, mas porque eu não sei dizer se eu tenho autoconfiança para encará-la sem talvez gaguejar ou piscar compulsivamente. Eu tenho esse problema. Eu só forço a barra quando, por exemplo, vou a uma entrevista de trabalho. Os entrevistadores podem pensar que ‘você’ está mentindo, ‘você não está me olhando nos olhos! ’, então você teme e você deve. Como eu não estou temendo e nem devendo... Aqui eu não estou devendo, mas estou temendo. Você acha que o fator que impulsiona a pessoa a não ‘ter’ o tête-à-tête é o que? É o medo”, ela se vira novamente de lado e continuamos a entrevista.

O jeito de falar de Daniela é manso, calmo e mostra que sempre há uma reflexão antes de se externar um pensamento. A professora morou oito anos em New Orleans, EUA, porque sua mãe trabalhava no consulado do Brasil. Ela mora com três gatas. O namorado lhe visita durante a metade da semana.

A razão do isolamento é conseqüência da tensão nervosa que sente ao interagir com outras pessoas “a aglomeração típica do vai-e-vem de Copacabana faz com que eu chegue em casa muito estressada. Eu não sei se são pessoas demais ou calçadas muito estreitas ou se é uma fusão desagradável dos dois elementos. Eu sei que pode ser feio, ‘tá’, feio! Muitas vezes eu fico contente quando subo e desço no elevador sozinha. Não porque eu não vou perder tempo parando ‘num’ andar, mas porque eu sei que eu não vou ter que ver e nem ser vista”, conta.

O paradoxo que caracteriza a vida de Daniela que é sociofóbica e que co-habita com quase quinhentas pessoas (273 apartamentos, 12 andares, 23 por andar), não é o único encontrado na história do Edifício Master.

O condomínio de Copacabana, outrora palco de meretrizes, travestis, ilicitudes e policiais, é hoje um coletivo de esposas, maridos, filhos, mães solteiras, aposentados, viúvos, separados, que moram em um ambiente abarcado pela bonança precedida pela tempestade.

A portaria do edifício, esporadicamente transformada em boteco onde porteiros e moradores se divertiam, era o entretenimento daqueles que nas madrugadas eram visitados pela insônia ou pela solidão. “De noite aquela portaria era um lugarzinho pras mulheres descerem e beberem junto com os porteiros. Toda noite. Eu também descia. A gente comia, os porteiros bebiam, depois ficavam bêbados e iam dormir. A portaria ficava jogada. De vez em quando desciam mulheres enfurecidas que começavam confusões, às vezes portavam até canivete”, conta Maria do Céu. De forma bem humorada a antiga moradora lembra quando em uma dessas noites chegou ao edifício a patrulhinha que se dirigiu para um determinado andar. Do térreo ela viu quando algumas pessoas fugiram dos policiais pelos andaimes montados em frente ao apartamento. “Era uma baderna aqui, mas o Sérgio (síndico de 1997 a 2003) chegou e agora está ‘tudo silêncio’. Ele sofreu muito pra tirar os travestis daqui, a prostituição, as casas de massagem. Ele ia toda hora à delegacia. Toda hora os moradores e os porteiros tinham que ser testemunhas”, relata.

Sérgio conta que seu objetivo era “fazer do Master um prédio bonito, descente, isto na minha primeira gestão como síndico. Graças a Deus eu consegui. Eu uso muito Piaget, quando não dá certo eu passo pro Pinochet. Como diz o outro ‘a realidade da vida é sempre o funeral das ilusões’ (eu uso muito ditado – risos). Então quando essa gente está ‘viajando na maionese’ e você mostra a realidade, eles caem. É isso aí que eu tento mostrar”.

Vera, a “cigana”, também testemunhou a época ruim do Edifício Master. Apesar de “nômade”, ela nunca deixou o endereço, mas mudou de apartamento 28 vezes. “Aqui era um antro de perdição muito pesado. Houve suicídio, morte de porteiros, assassinatos. Nos corredores haviam mulheres caídas, filas de pessoas que procuravam prostitutas. O edifício abrigava muitas cafetinas. Houve muitas mudanças aqui no prédio, as pessoas mal gratas saíram. Tem muitas pessoas de bom grado aqui. Agora o Master é um prédio familiar”, diz.

Atualmente o edifício coleciona “pessoas comuns” em seus apartamentos: viúvos e mães solteiras que aprenderam a conviver com a solidão; pessoas que vieram de outra cidade para “tentar a vida” no Rio de Janeiro; ex-moradores de uma boa casa que partiram para o Master por perderem tudo o que tinham; ex-moradores do subúrbio que se mudaram para Copacabana (seja o trabalhador que descobriu o razoável aluguel de um apartamento no edifício ou a moça chocolate baby que arranjou um namorado americano-empresário).

Em Copacabana, um condado com características outrora antagônicas ao Cartão Postal carioca. Hoje, um Edifício (família) Master contador de histórias passadas que amedrontaram e de histórias presentes que fascinam.



reportagem baseada no documentário Edifício Master.