sexta-feira, 3 de abril de 2009

Lotação.


por Andressa Gonçalves

Sexta-feira, 18 horas. Um ônibus a cem quilômetros por hora atravessa a Avenida Augusto Monte Negro. No meio de tantas pessoas e do pouquíssimo espaço restante, tenta transitar um vendedor de “chocogel”: “boa noite! Gostaria de apresentar o meu “novo” produto “chocogel”, que é o chocolate gelado, muuuuuito gostoso, com recheio cremoso. Um por quarenta centavos, dois por setenta e três por um real...”. É bem difícil de acreditar que a esta hora, depois de uma semana puxada, trabalho de manhã e aula à noite, em pé há mais de uma hora no “bonde”, um “plus” além do vendedor do “chocogel” aparece pra importunar a nós que estamos na “pindaíba”. Porque diabos foram inventar o “chocogel”?!

Enésima parada do coletivo. Sobe uma bunda. Sim, uma bunda porque aquilo ali era um complexo de ancas e não um ser humano! A mãe da senhorita, quando na maternidade, na ânsia de saber o sexo do bebê perguntou ao obstreta “doutor, e o sexo, doutor? Qual é o sexo?”. “Não sei, minha senhora. Até agora só enxerguei bunda”.

Uma doceira. Tinha que ser uma doceira! E tava com um “cc” que Deus o tenha! Foi só ela entrar no ônibus que o coletivo virou um sovaco com rodas. A gorda subiu e logo o “motora meteu o pé”. Evitando uma queda, a mulher se atracou no ferro metendo a catinga na cara de um velinho que ia sentado no primeiro banco alto, logo depois da porta de entrada.

Foi metendo a bunda, a sacola e a axila fedida por entre os passageiros, amassando gente, desmaiando gente até que, enfim...A catacra. Pra rodar a roleta foi um sacrifício, maior do que já tinha sido pra tirar o trocado do bolso e pagar a passagem. Enquanto isso o motorista só “pisava” e metia o pé no freio sem piedade: “estás dando carona pra tua mãe, filho da puta?”, grita alguém lá de trás, de algum buraco, provavelmente.

O odor da gorda não passou despercebido e logo o cobrador olhou pra ela com o rosto no mais alto nível de contorcimento dos músculos “poxa, minha tia! Mataram uma mucura e esconderam debaixo do seu braço?”. A doceira já se “emputeceu” e girou a catraca com toda força, amassando mais gente, empurrando mais gente, esfregando o sovaco no nariz de mais gente.

Uma moça que ia em pé, ao meu lado, desmaiou. Não sei se por causa do “cheirinho”, ou do aperto, ou dos dois. A menina nem chegou a cair totalmente, pois o aperto era tanto que ela permaneceu quase em pé. Logo as pessoas se manifestaram: “Mas que porra, sua gorda! Tu não ‘pode’ ter mais cuidado ‘pra’ andar nessa merda?”. “Caralho! Tu ‘podia’ ter tomado um banho! Alguém tem um limão galego?”. (A situação a essa hora: sovacão voando na Augusto Montenegro; a Gorda ouvindo aos montes; 91% da tripulação puta da vida ou passando mal - o percentual restante compete a Gorda que valia por vários passageiros.)

Foi então que a Gorda tentou se pronunciar e todos percebemos que a mulher era gaga. A doida ficou tão envocada que saiu distribuindo bofete até que com um empurrão quase que coletivo a bunda pesou pra frente e a mulher caiu com o peito pro chão, construindo a silhueta do Corcovado num espaço que surgiu, de repente, em meio a uma alta concorrência pelo centímetro quadrado.

O cobrador balbuciou algo que eu não compreendi, mas logo entendi que ele me avisava que a “minha” parada se aproximava, pois lhe pedi que me informasse o momento de descer, já que desconhecia a localidade.

Dei sinal ao “gentil” motorista e me equilibrei para atravessar o “Corcovado”. Quanta carne! Desci do ônibus. Segundos depois, um grito de agonia: “Puta que pariu! A gorda peidou!”.

arte: Adalberto Malcher e Andressa Gonçalves.

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