quarta-feira, 1 de abril de 2009

Edifício Master: o contador de histórias

Por Andressa Gonçalves

“Opium dream, fields so green. Bright mind, bright future. If they ever reach her let her be a sculpture or free her from third-world-culture.” A autora dos versos é Daniela, uma moça que sofre de neurose e sociofobia. Logradouro: Edifício Master, Copacabana, Rio de Janeiro.

Sentada e inquieta, a professora de inglês não encara os olhos da repórter. Um pouco incomodada em entrevistar Daniela, olhando para o seu perfil, pergunto “por que você não me olha nos olhos?”. Em um linguajar que denuncia muitas leituras e uma enorme capacidade de se expressar e olhando para mim esforçadamente, ela responde: “Não porque o que eu esteja dizendo não tenha veracidade, mas porque eu não sei dizer se eu tenho autoconfiança para encará-la sem talvez gaguejar ou piscar compulsivamente. Eu tenho esse problema. Eu só forço a barra quando, por exemplo, vou a uma entrevista de trabalho. Os entrevistadores podem pensar que ‘você’ está mentindo, ‘você não está me olhando nos olhos! ’, então você teme e você deve. Como eu não estou temendo e nem devendo... Aqui eu não estou devendo, mas estou temendo. Você acha que o fator que impulsiona a pessoa a não ‘ter’ o tête-à-tête é o que? É o medo”, ela se vira novamente de lado e continuamos a entrevista.

O jeito de falar de Daniela é manso, calmo e mostra que sempre há uma reflexão antes de se externar um pensamento. A professora morou oito anos em New Orleans, EUA, porque sua mãe trabalhava no consulado do Brasil. Ela mora com três gatas. O namorado lhe visita durante a metade da semana.

A razão do isolamento é conseqüência da tensão nervosa que sente ao interagir com outras pessoas “a aglomeração típica do vai-e-vem de Copacabana faz com que eu chegue em casa muito estressada. Eu não sei se são pessoas demais ou calçadas muito estreitas ou se é uma fusão desagradável dos dois elementos. Eu sei que pode ser feio, ‘tá’, feio! Muitas vezes eu fico contente quando subo e desço no elevador sozinha. Não porque eu não vou perder tempo parando ‘num’ andar, mas porque eu sei que eu não vou ter que ver e nem ser vista”, conta.

O paradoxo que caracteriza a vida de Daniela que é sociofóbica e que co-habita com quase quinhentas pessoas (273 apartamentos, 12 andares, 23 por andar), não é o único encontrado na história do Edifício Master.

O condomínio de Copacabana, outrora palco de meretrizes, travestis, ilicitudes e policiais, é hoje um coletivo de esposas, maridos, filhos, mães solteiras, aposentados, viúvos, separados, que moram em um ambiente abarcado pela bonança precedida pela tempestade.

A portaria do edifício, esporadicamente transformada em boteco onde porteiros e moradores se divertiam, era o entretenimento daqueles que nas madrugadas eram visitados pela insônia ou pela solidão. “De noite aquela portaria era um lugarzinho pras mulheres descerem e beberem junto com os porteiros. Toda noite. Eu também descia. A gente comia, os porteiros bebiam, depois ficavam bêbados e iam dormir. A portaria ficava jogada. De vez em quando desciam mulheres enfurecidas que começavam confusões, às vezes portavam até canivete”, conta Maria do Céu. De forma bem humorada a antiga moradora lembra quando em uma dessas noites chegou ao edifício a patrulhinha que se dirigiu para um determinado andar. Do térreo ela viu quando algumas pessoas fugiram dos policiais pelos andaimes montados em frente ao apartamento. “Era uma baderna aqui, mas o Sérgio (síndico de 1997 a 2003) chegou e agora está ‘tudo silêncio’. Ele sofreu muito pra tirar os travestis daqui, a prostituição, as casas de massagem. Ele ia toda hora à delegacia. Toda hora os moradores e os porteiros tinham que ser testemunhas”, relata.

Sérgio conta que seu objetivo era “fazer do Master um prédio bonito, descente, isto na minha primeira gestão como síndico. Graças a Deus eu consegui. Eu uso muito Piaget, quando não dá certo eu passo pro Pinochet. Como diz o outro ‘a realidade da vida é sempre o funeral das ilusões’ (eu uso muito ditado – risos). Então quando essa gente está ‘viajando na maionese’ e você mostra a realidade, eles caem. É isso aí que eu tento mostrar”.

Vera, a “cigana”, também testemunhou a época ruim do Edifício Master. Apesar de “nômade”, ela nunca deixou o endereço, mas mudou de apartamento 28 vezes. “Aqui era um antro de perdição muito pesado. Houve suicídio, morte de porteiros, assassinatos. Nos corredores haviam mulheres caídas, filas de pessoas que procuravam prostitutas. O edifício abrigava muitas cafetinas. Houve muitas mudanças aqui no prédio, as pessoas mal gratas saíram. Tem muitas pessoas de bom grado aqui. Agora o Master é um prédio familiar”, diz.

Atualmente o edifício coleciona “pessoas comuns” em seus apartamentos: viúvos e mães solteiras que aprenderam a conviver com a solidão; pessoas que vieram de outra cidade para “tentar a vida” no Rio de Janeiro; ex-moradores de uma boa casa que partiram para o Master por perderem tudo o que tinham; ex-moradores do subúrbio que se mudaram para Copacabana (seja o trabalhador que descobriu o razoável aluguel de um apartamento no edifício ou a moça chocolate baby que arranjou um namorado americano-empresário).

Em Copacabana, um condado com características outrora antagônicas ao Cartão Postal carioca. Hoje, um Edifício (família) Master contador de histórias passadas que amedrontaram e de histórias presentes que fascinam.



reportagem baseada no documentário Edifício Master.

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